SAÚDE

Síndrome do Intestino Irritável

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é uma doença funcional que se caracteriza por: dor abdominal; diarréia; constipação ou ambas; estufamento; distensão; gases.



À semelhança do que ocorre em outros sistemas do nosso organismo, algumas das vísceras ocas que compõem o canal alimentar podem apresentar distúrbios do seu funcionamento, que se exteriorizam por alterações motoras e/ou de sensibilidade, em razão de respostas exacerbadas de sua musculatura, inervação e secreções, mesmo frente a estímulos fisiológicos. Sua importância clínica encontra apoio no elevado número de consultas médicas, tanto entre generalistas, quanto especialistas, decorrentes de queixas, que se encaixam em um dos vários quadros disfuncionais digestivos conhecidos: globus, síndrome da ruminação, disfasgia funcional, dispepsia do tipo refluxo gastroesofágico, dor torácica não-cardíaca, dispepsia não-ulcerosa, dispepsia tipo dismotilidade, diarréia e constipação intestinal funcional, dor abdominal funcional, proctalgia fugaz, síndrome do intestino irritável, etc. Segundo dados de literatura tais quadros respondem por cerca de 20% a 30% das visitas às clínicas gastroenterológicas e, dentre eles, o intestino irritável, podendo chegar à metade desses casos, o que já permite reconhecer sua relevância em termos de prevalência.



Nas últimas décadas, cresceu muito o interesse na pesquisa dessas entidades, motivado, de um lado, pelo significativo percentual de doentes portadores daquelas disfunções e pelo impacto que causam na sua qualidade de vida e, de outro, pelos custos, diretos e indiretos que representam aos sistemas de saúde, pelas altas taxas de consultas médicas e prescrições, dos índices de absenteísmo dos indivíduos às suas atividades, repetidos exames complementares e de procedimentos cirúrgicos, nem sempre bem indicados. Para que este progresso tivesse atingido o nível atualmente observado, foi necessário buscar conhecimentos por meio de novas investigações sobre sua fisiopatologia e, por extensão, de propostas terapêuticas mais convincentes, com a aplicação de metodologias sofisticadas mas, e principalmente, em uma mudança conceitual, por parte dos especialistas, em reconhecer estes distúrbios como algo mais complexo que apenas uma resposta inadequada da motricidade dos segmentos digestivos comprometidos, hipótese que, de início, pensava-se, justificaria as principais manifestações, particularmente da síndrome do intestino irritável. De fato, ainda que alterações motoras participem de forma importante na gênese de alguns dos sintomas característicos deste distúrbio, é consenso, entre os gastroenterologistas, que múltiplos fatores encontram-se efetivamente envolvidos para explicar, de forma mais abrangente, todas as queixas referidas pelos doentes.



O que é síndrome do intestino irritável?



A síndrome do intestino irritável (SII), conhecida no passado por várias denominações, como síndrome do cólon irritável ou do ângulo esplênico, entre outras, é um evento clínico, crônico e recorrente, que resulta de alterações funcionais, particularmente do intestino grosso, para as quais não se demonstram, pelos métodos de investigações disponíveis, qualquer mudança estrutural ou anatômica, assim como irregularidades bioquímicas ou metabólicas que as justifiquem, características igualmente observadas nas demais disfunções do canal alimentar anteriormente citadas.



Durante longos anos, foi considerada, exclusivamente, como uma manisfestação visceral relacionada a distúrbios psicológicos e enquadrada, assim, no rol das doenças psicossomáticas. Embora fatores emocionais e de estresse social continuem aceitos como elementos importantes na expressão da doença, com participação marcante, pelo menos para uma parcela dos doentes, na apresentação e severidade dos sintomas, atualmente esta abordagem seletiva encontra menos defensores, em razão de recentes descobertas relacionadas à sua fisiopatologia. Aceita-se que a síndrome seja multideterminada, com variações individuais e populacionais, influenciadas por aspectos culturais, sociais e psicológicos. 



Presume-se que esses avanços venham a redirecionar, num futuro não muito distante, o clássico conceito fisiopatológico desta síndrome e, talvez, removê-la do grupo das doenças digestivas disfuncionais, pelo reconhecimento, cada vez mais crescente, do papel de substâncias neuromoduladoras ou de seus receptores ( portanto um defeito bioquímico e neurológico ) como responsáveis pelo conjunto de sintomas que caracterizam seu quadro clínico.



Qual o impacto na qualidade de vida do doente com SII?



Alguns estudos tem demonstrado reduzida qualidade de vida nos doentes com distúrbios funcionais digestivos, em particular dos portadores de SII, quando comparados com indivíduos sadios, especialmente aqueles que manifestam a disfunção com sintomas de intensidade moderada à severa, que procuram atendimento médico. Mesmo quando essa comparação é feita com outras doenças crônicas, como refluxo gastroesofágico, asma, com diabete e insuficiência renal, se reconhece que as do intestino irritável apresentam índices menores de qualidade de vida, o que surgiu ao Colégio Americano de Gastroenterologia a publicação de um guia, recomendando essa avaliação e o início do tratamento quando os sintomas efetivamente comprometerem as funções habituais do indivíduo e sua qualidade de vida em geral. Por outro lado, supõe-se como pouco provável que doentes, apresentando sintomas mínimos, sem necessidade de assistência médica, efetivamente representativos da grande maioria dos casos de SII, tenham esse parâmetro afetado significativamente. A severidade percebida pelo doente é definida pelas limitações que o distúrbio impõe, como redução da produtividade, sendo que, para alguns, estes fatos parecem até mais importantes que os próprios sintomas abdominais.



Identificar fatores predisponentes pode ajudar o clínico avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde do doente com SII. Em recente publicação, Spiegel e col. (2004), analisando 770 pacientes, atendidos num centro de referência universitário, por meio de questionários relacionados aos componentes físicos, e psicológicos desses indivíduos, compilaram uma série de quesitos que permitiram julgar sua influência na qualidade de vida dessa população.



Do aspecto físico foram relacionados sete itens:



Mais de 5 visitas ao médico/ano;



Cansaço fácil;



Pouca energia;



Sintomas severos;



Sintomas predominante dolorosos;



Sensação de que algo sério está acontecendo com seu organismo;



Sintomas que perduram por mais de 24 horas.



Do lado psicológico foram relacionados oito itens:



Sentir-se tenso;



Sentir-se nervoso;



Sentir-se desanimado;



Dificuldade para dormir;



Cansaço fácil;



Pouco interesse sexual;



Interferência dos sintomas da SII no desempenho sexual;



Pouca energia.



Concluíram que a qualidade de vida dos doentes com intestino irritável está comprometida mais por fatores extra intestinais que as clássicas manifestações clínicas digestivas habitualmente levadas em consideração, sugerindo, assim, que uma apreciação global do paciente venha a ser utilizada para uma proposta terapêutica mais abrangente.